Mãe Bernadete Pacífico

Uma Moradia Construída em Coletivo

O Projeto Habitacional Mãe Bernadete Pacífico constitui uma relevante iniciativa de promoção do direito à moradia no centro da cidade do Rio de Janeiro, resultado da organização da União por Moradia Popular do Rio de Janeiro (UMP-RJ) e voltado à requalificação de dois imóveis de propriedade da União Federal, sob posse da Superintendência do Patrimônio da União no Rio de Janeiro (SPU-RJ). Os imóveis em questão, situados à Rua da Constituição, nºs 36 e 38, localizam-se na Área de Proteção do Ambiente Cultural (APAC) Corredor Cultural – Área 1 – Saara, cuja regulamentação remete à Lei Municipal nº 506/84, posteriormente reformulada pela Lei nº 1.139/87, e consolidada pelo Plano Diretor Decenal de 1992.

O projeto prevê a adequação dos referidos imóveis para atender à demanda habitacional de 24 famílias vinculadas à UMP-RJ, por meio de um processo autogestionário de produção da moradia. Desde sua concepção, a iniciativa tem contado com o acompanhamento técnico do grupo de extensão e pesquisa OPPHUS (Observatório das Políticas Públicas, Habitação e Urbanismo Social), vinculado à Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense (UFF), que atua na interface entre ensino, pesquisa e extensão universitária, com foco em políticas habitacionais e práticas colaborativas de planejamento urbano. 

No âmbito do Estudo de Viabilidade e Projeto de Requalificação para Habitação de Interesse Social, elaborado para fins de contratação junto à Caixa Econômica Federal, a OPPHUS foi responsável pela produção do Laudo de Vistoria Técnica. Este documento, somado ao memorial do projeto arquitetônico e urbanístico desenvolvido pela Coletiva de Assessoras Populares do Rio de Janeiro, compôs o conjunto de peças técnicas exigidas para viabilização do empreendimento, conforme os critérios do Programa Minha Casa Minha Vida – Entidades (PMCMV-E).

A metodologia adotada nas etapas de concepção do projeto priorizou abordagens participativas, envolvendo diretamente os futuros moradores por meio de oficinas de projeto. As atividades foram realizadas com o apoio da Coletiva de Assessoras Populares e com o suporte técnico e pedagógico do OPPHUS, e se utilizaram de mapas afetivos, cartografias coletivas, maquetes físicas e representações simplificadas dos elementos do projeto. Tais instrumentos possibilitaram o debate coletivo sobre o programa de necessidades das famílias, a configuração dos espaços residenciais e coletivos, a circulação interna e a inserção do conjunto no território urbano.

Além das contribuições no campo da assessoria técnica, o OPPHUS atuou de forma destacada no processo de adaptação emergencial dos imóveis para o acolhimento de delegações populares durante o G20 Social, evento sediado no Rio de Janeiro em novembro de 2024. Em articulação com a UMP e a Coletiva de Assessoras Populares, e com aporte financeiro do Governo Federal, foram executadas intervenções temporárias voltadas à melhoria das condições de habitabilidade, incluindo a ampliação dos equipamentos sanitários, instalação de cozinha comunitária, adequações de segurança e salubridade, além da criação de conexões entre os imóveis e o terreno adjacente, igualmente sob posse do grupo.

Tais ações não apenas permitiram a participação ativa da UMP-RJ no G20 Social, mas também resultaram em melhorias permanentes na infraestrutura dos imóveis, beneficiando diretamente os integrantes do grupo Mãe Bernadete Pacífico.

A experiência acumulada pelo OPPHUS na atuação junto a este projeto reafirma o papel estratégico da universidade pública na consolidação de políticas urbanas inclusivas, bem como na valorização de práticas de produção social do espaço. A contratação formal do projeto pela Caixa Econômica Federal está prevista para março de 2025, momento em que a assessoria técnica dará continuidade ao processo, com a elaboração dos projetos executivos e trâmite de aprovação junto aos órgãos municipais competentes.

A equipe do OPPHUS permanece comprometida com a promoção de processos participativos, democráticos e tecnicamente qualificados para a consolidação de um modelo de moradia autogestionária, centrado na valorização dos direitos sociais e na construção de uma cidade mais justa, plural e solidária.

Consolidação do Projeto Arquitetônico Participativo

O desenvolvimento do Projeto Habitacional Mãe Bernadete Pacífico vem se consolidando a partir de uma metodologia de assessoria técnica participativa, que articula os saberes acadêmicos e profissionais da arquitetura e urbanismo às demandas concretas de grupos organizados por moradia, neste caso, a União por Moradia Popular do Rio de Janeiro (UMP-RJ). O processo, conduzido em colaboração entre o grupo OPPHUS/UFF e a Coletiva de Assessoras Populares, fundamenta-se na construção coletiva do espaço habitacional, respeitando os princípios da autogestão, da equidade espacial e da sustentabilidade urbana.

A partir de um conjunto de oficinas participativas realizadas com os futuros moradores, foram definidas as diretrizes gerais para o projeto arquitetônico do conjunto, tanto em termos de suas configurações internas quanto de sua relação com o território do centro da cidade do Rio de Janeiro. A terceira dessas oficinas, realizada em setembro de 2024, foi especialmente dedicada à composição e ao detalhamento do programa de necessidades, à organização dos espaços comuns e à distribuição das unidades habitacionais nos imóveis existentes.

Durante essa etapa, os moradores foram divididos em grupos para elaborar propostas de implantação do conjunto habitacional. As discussões giraram em torno de temas fundamentais como: uso e qualificação dos espaços abertos (hortas, jardins, parquinhos), definição de equipamentos coletivos (salão de festas, brinquedoteca, cozinha comunitária, sede da UMP, lavanderia), circulação e acessibilidade, bem como a distribuição das tipologias habitacionais nos diferentes blocos e pavimentos.

As propostas geradas nas oficinas revelaram grande convergência em relação aos elementos prioritários para os moradores: presença de áreas verdes, espaços de convivência intergeracional, infraestrutura para atividades coletivas e produtivas, além de uma ocupação sensível do térreo, garantindo acessibilidade e integração com a cidade. Esses insumos foram fundamentais para a consolidação de uma proposta arquitetônica que prevê a implantação de 24 unidades habitacionais, sendo estas distribuídas em diferentes tipologias — incluindo apartamentos térreos acessíveis, apartamentos padrão com varanda, unidades duplex e adaptações no casarão existente.

O conjunto contará com infraestrutura social e coletiva robusta, incluindo portaria, bicicletário, salão de festas, brinquedoteca, cozinha comunitária, espaços para geração de renda e sede administrativa da UMP. A implantação também prevê áreas verdes, horta comunitária, jardim de uso público integrado ao térreo e equipamentos de lazer como parquinho e mini quadra. A articulação entre os blocos habitacionais e os espaços comuns prioriza a convivência, a segurança e a qualidade ambiental, respeitando a pré-existência dos imóveis e a ambiência cultural da região central onde o projeto se insere.

Além de sua função habitacional, o projeto do Conjunto Mãe Bernadete Pacífico assume também um papel estratégico na consolidação de uma política urbana mais justa e democrática, reafirmando a importância da produção social da moradia como instrumento de transformação da cidade. O processo participativo de projeto tem sido, portanto, não apenas um meio de garantir adequação funcional e técnica, mas também uma ferramenta pedagógica e política de fortalecimento do protagonismo das famílias envolvidas.

A experiência conduzida pelo OPPHUS/UFF neste projeto reafirma o compromisso da universidade pública com a produção de conhecimento voltado à justiça socioespacial, integrando ensino, pesquisa e extensão em prol de alternativas concretas e sustentáveis para a habitação de interesse social. O desenvolvimento dos projetos executivos e sua futura implementação constituem a próxima etapa deste percurso coletivo, com vistas à efetivação do direito à moradia digna no coração da cidade.

Etapas do Processo Participativo

Cartografia Participativa e Reconhecimento Territorial

Definição do Programa de Necessidades

Análise Participativa das Soluções Projetuais

A oficina cartográfica foi conduzida em dois momentos principais, com a participação de grupos compostos por cerca de 10 famílias cada, acompanhadas por técnicos (arquitetos, estudantes de arquitetura e assistentes sociais), com atenção à diversidade de gênero, idade e presença de lideranças comunitárias. No primeiro exercício, os participantes marcaram em um mapa em preto e branco da cidade do Rio de Janeiro os locais onde moram e trabalham, utilizando adesivos coloridos (verde para moradia e vermelho para trabalho), estimulando a identificação territorial a partir de suas experiências cotidianas. Já no segundo momento, foi apresentada uma foto aérea colorida do terreno e seu entorno imediato (raio de 300 a 500 metros), onde os participantes reconheceram e assinalaram equipamentos e espaços públicos que já conheciam ou frequentavam, como escolas, praças e meios de transporte. A oficina teve como foco a escuta ativa e a valorização do saber dos moradores, promovendo um olhar coletivo sobre o território e gerando reflexões sobre o local onde pretendem viver.

A oficina de Definição do Programa de Necessidades teve como foco o trabalho coletivo de organização do conjunto habitacional no terreno, utilizando maquetes físicas em escala (1:156) e módulos representativos das unidades residenciais — studio, 1, 2 e 3 dormitórios — elaborados a partir do Estudo de Viabilidade. As famílias manipularam esses blocos para discutir a distribuição das moradias e das áreas comuns, como brinquedoteca, salão de festas, horta e sede da associação, representadas com peças coloridas de EVA. A oficina retomou os desejos expressos anteriormente pelos participantes, estimulando o diálogo sobre prioridades e possibilidades de uso do espaço. A participação ativa das famílias foi essencial para construir coletivamente decisões sobre tipologias, quantidade de unidades e usos coletivos, considerando as limitações do terreno e do casarão existente. A mediação da equipe técnica foi fundamental para orientar as escolhas e estimular reflexões sobre o que é desejável e o que é viável para o projeto final.

Na terceira oficina participativa, o foco esteve na consolidação das propostas desenvolvidas coletivamente pelos diferentes grupos. Cada grupo apresentou uma organização distinta para o conjunto habitacional, equilibrando o número de unidades, o aproveitamento do casarão existente e a inserção de espaços coletivos como hortas, cozinhas comunitárias, brinquedotecas e áreas de lazer. A comparação entre as propostas permitiu visualizar diferentes possibilidades de ocupação do terreno e discutir coletivamente os pontos fortes e os desafios de cada arranjo. Esse momento foi fundamental para promover negociações entre os desejos individuais e as necessidades coletivas, possibilitando a construção de um entendimento comum sobre o que priorizar no projeto final. A diversidade de soluções também serviu de base para refinar diretrizes urbanísticas e arquitetônicas, fortalecendo o caráter democrático e colaborativo do processo.

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